quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Arte nossa para eles

A arte cearense está intrinsecamente relacionada ao turismo. Quer sejam figuras feitas em barro ou madeira, grandes esculturas ou mesmo pequenas garrafas cheias de uma areia colorida que mais parece tinta, o artesanato local é rico em cores, formas. e, principalmente, pessoas que dedicam vidas inteiras ao trabalho. Os objetos já são marcas registradas de Fortaleza e quem mora ou é daqui conhece, mas, segundo artesãos e comerciantes, quem compra e aprecia mesmo são pessoas de fora.

Excepcionalmente, em uma quarta-feira de manhã, alunos de um colégio público do Estado foram levados a Empresa Cearense de Turismo, EMCETUR, ou Centro de Turismo, como é mais conhecido, em uma aula de campo. O grupo consiste de alunos da 9ª série, entre 14 ou 15 anos, a maioria já com aquele ar blasé de quem não está interessado em ver rendeiras, beber cajuína ou olhar para arte que julgam sem graça. Uma das garotas, Fernanda   14, diz, “preferia estar na lan house perto de casa, vendo se alguém já postou algum vídeo do show do Bieber de ontem no Youtube”. Apenas uns poucos param para assistir e até fazer perguntas enquanto um artesão, pacientemente, em meio ao barulho, desenha com areia, instrumentos e uma minúcia incrível em um copo pequeno de vidro, traçando casas, dunas, o mar e um céu colorido, sem esquecer o nome da cidade, Fortaleza.

Sacada da frente da EMCETUR (Fonte: emcetur.com.br)
Os maiores compradores dos objetos são turistas, principalmente brasileiros de outros estados. De acordo com Antônio Rodrigues, o artesão mencionado, que trabalha diariamente no centro, poucas vezes aparece um cearense que para e compra, mas os turistas se encantam com as obras. O período de mais vendas é durante a alta estação turística, nos meses de Dezembro, Janeiro, Junho e Julho, ou quando um navio chega ao porto do Mucuripe, mas tem dias que nada é vendido. “O cearense mesmo prefere coisas de fora, importados, não dão muito valor ao que é local”, comentou Antônio. 

ARTE EM AREIA
O artesão já trabalha com silicogravura (que significa, literalmente, desenho em silício, o principal componente da areia e também matéria prima do vidro) há mais ou menos 30 anos. Aprendeu com o pai uma atividade que passa de pai para filho há gerações. “Que eu saiba,” disse ele, enquanto prosseguia o trabalho, “não existem cursos que ensinam a fazer isso, é uma atividade familiar mesmo. Meu pai sabia e minhas filhas sabem, mas não praticam, querem outras coisas”.
Falésia de Morro Branco, Ce. (fonte: Internet)

Segundo Antônio, a origem da prática é creditada a duas histórias, em uma, crianças da comunidade de Majorlândia, do município de Aracati, no litoral leste do Ceará, começaram a pegar a areia colorida das falésias e fazer desenhos com finas varas de bambu, competindo para ver quem fazia coisas mais bonitas, em outra versão, uma viúva da mesma praia, sofrendo de depressão com a morte do marido, passou a fazer arte com areia para escapar da solidão.

A areia das falésias cearenses tem, naturalmente, 13 tonalidades terrosas. Finamente peneirada até se tornar um pó leve, a areia colorida que vemos hoje, azuis, roxos, amarelos e outras cores vibrantes, é obtida das mesmas falésias e tingida com anis e pó xadrez, usados para colorir tecidos e chãos, mas até os tons que antes podiam ser encontrados nas dunas, atualmente tem que ser obtidos através de tingimento porque a obtenção da areia em dégradé, feita em buracos profundos, foi proibida quando muitas falésias começaram a desmoronar por causa da extração feita indevidamente. 
A EMCETUR
Antônio faz parte de uma associação de 30 artesãos que foi formada em 1973 no bairro Cristo Redentor, em Fortaleza. Os membros do Centro Artesanal São Vicente de Paula expõem suas artes, que inclui trabalhos em renda, esculturas, crochê, silicogravura, entalhes em madeira, entre outros, na loja 03 da ala central da EMCETUR, que foi, outrora, a cadeia pública de Fortaleza. O centro já existe há trinta anos e foi recentemente reformado pelo Governo do Estado, 104 lojas se dividem entre 3 pavilhões, no andar de cima, um museu, que nem os próprios lojistas sabem se funciona ou não, conta com objetos de arte representativos da cultura local que estão mais ou menos esquecidos (e escondidos) para quem não tem um interesse ativo em procurá-los - a propósito, o museu está em funcionamento, aberto de Segunda a Sábado.
Interior da Centro (fonte: emcetur)

Para Ana Renê, Diretora Financeira da associação, “o grande problema daqui é que o governo não dá muito espaço pro Centro. A prefeitura está o tempo todo falando do Mercado Central, que é um modelo, moderno e ponto de referência do turismo de Fortaleza, mas o centro não tem a mesma publicidade do mercado ou da feirinha da Beira-Mar, muita gente não sabe nem que existe”.

Por ser no prédio da Cadeia Pública de Fortaleza, tombado pelo patrimônio histórico, qualquer ação proposta pelos lojistas para mudança no exterior para revitalização do local tem que ser licitada e demora muito para ser feita. Reclamações relativas à administração do local não faltam. Mas os lojistas e artesãos todos concordam que, para atrair mais turistas e compradores e manter essas artes singulares, o principal é divulgar mais lugares como o Centro de Turismo e que a população cearense lembre que pode encontrar coisas incríveis nos lugares mais comuns e aprenda a dar mais valor ao artesanato local.

Um comentário:

  1. E interessante notar que o artesenato do nordeste e bastante particular e chama muita atenção dos turistas.

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