quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A velha e boa cultura popular

Os textos produzidos pelos alunos da Oficina de Jornalismo para Web, do 7º semestre da Unifor, refletem o esforço jornalístico para dar conta de um tema com várias possibilidades de abordagem: a cultura popular. Do erudito ao popular. Da música às miçangas. Da dança à comida típica. Tudo coube aqui. Especialistas, praticantes, consumidores. Todos, indistintamente, têm espaço nesse balaio cultural.
As manifestações da cultura legitimamente popular se dão na cidade de Fortaleza em suas diversas nuances e em vários espaços da cidade com você pode acompanhar pelo mapa cultural que criamos. Boa leitura e todo comentário é sempre bem vindo.


Visualizar Cultura Popular Ceará em um mapa maior

Hip - Hop a Dança de Perifería que Conquistou o Mundo

Expressões Artísticas e musicais já atravessaram barreiras no passado, mas o hip-hop é mais que apenas música. É uma forma de vida que abrange movimento físico e expressão pessoal. O gênero artístico musical hip-hop, que surgiu na década de 1970 nas áreas centrais de comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque é destinado àqueles que independente de cor, raça, sexo e estado social, viram no hip-hop uma forma de contestar as injustiças de um sistema que quer nos segregar de maneira sutil e fazer com que nos sintamos superiores uns aos outros – simplesmente pela tonalidade mais clara de pele, ou pela textura mais lisa do cabelo; pela delicadeza dos traços faciais ou pela clareza dos olhos.


Para Gracylliano Santos, mais conhecido como Hotton, professor de hip-hop da Acadêmia de Dança Arte & Movimento a principal diferença do hip-hop em relação as outras danças está na expressão, " Apesar das outras danças também terem muita energía, o hip-hop exige mais nos movimentos que são colocados mais força, quem está fora vendo o hip-hop ser dançado sente toda a energía e a força que está sendo colocada...".




O hip-hop se espalhou rapidamente pelo mundo devido às periferias, na década de 70 uma banda chamada Afrika Bambaataa apareceu e começou a fazer shows inicialmente por Nova York e depois começou a expandir seus shows de hip-hop pelas periferias da cidade de Nova York, logo as pessoas se interessaram não só pela música, mas também pela dança.

Além disso, havia os jamaicanos que, após o fim período de colonização, se sentiram livres e começaram a viajar pelo mundo; logo eles tiveram o contato com o hip-hop e incluiram a música e a dança nas suas manifestações artísticas e começaram a difundir o gênero pelo mundo durante as suas viagens, explica Gracillyano.

Um ponto destacado pelo professor de hip-hop é o preconceito que o gênero sofre. " As pessoas acha que o hip-hop é dança de favelado e que só quem sabem dançar são pessoas negras,mas eu acho que tudo isso é preconceito, é ingnorância das pessoas." O professor ainda destaca que os própios grupos de hip-hop são muito fechados e que isso dificulta a expanção da dança." Tem muitas pessoas que querem que o hip-hop cresça, é lógico, mas também há muitas pessoas que querem para sí, há muitos grupos que se fecham. Tudo na vida da gente tem uma competição,algumas pessoas querem ser professores, mas não querem ter concorrência." , destaca ele.


Outro ponto alto do gênero, são os "duelos de hip hop" .O professor explica que na verdade entre o mundo do hip hop não há "duelos" e sim "batalhas de hip-hop". São formandos grupos de dança para competir aleatoriamente, ficam dois grupos dançando aleatoriamente desafiando um ao outro e o juri´que vai julgar a "batalha" apena observa o dessenvolvimento de cada um dos grupos. Ganha que consegue dessenvolver melhor os movimentos, quem conhece a música e o grupo que tem mais afinidade.


Gracylliano cita o profissional de dança Marcelo Cirino da cidade de Santos, no estado de São Paulo que foi aos Estados Unidos para conhecer novas culturas para trazer ao Brasil. Ele foi um dos responsáveis por trazer o hip-hop ao Brasil, vários professores de dança viajaram para Santos para aprender com ele o novo ritmo, fora isso Marcelo Cirino também fazia muitas viagens pelo Brasil divulgando não só o hip-hop mas diversos estilos de dança. O grupo dele é o Dança de Rua do Brasil, que existe há 18 anos.


Outro profissional citado por Gracillyano é Fernando Teixeira que começou, assim como ele, em grupos de dança de rua e hoje viaja para outras países para competições de hip-hop representando o Ceará, "a vida dele mudou por causa da dança e ainda está mudando, estão acontecendo muitas coisas na vida dele, ele é um exemplo pro Ceará ", afirma Gracillyano.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Forró - A Dança Nordestina que Conquistou os Brasileiros

Forró

O forró é uma dança popular de origem nordestina. Esta dança é acompanhada de música, que possui o mesmo nome da dança. A música de forró possui temática ligada aos aspectos culturais e cotidianos da região Nordeste do Brasil.


A música de forró é acompanhada dos seguintes instrumentos musicais: triângulo, sanfona e zabumba.

A origem do nome forró tem várias versões, porém a mais aceita é a do folclorista e pesquisador da cultura popular Luis Câmara Cascudo. Segundo ele, a palavra forró deriva da abreviação de forrobodó, que significa arrasta-pé, confusão, farra. Embora seja tipicamente nordestino, o forró espalhou-se pelo Brasil fazendo grande sucesso. Foram os migrantes nordestinos que espalharam o forró, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Atualmente, existem vários gêneros de forró: forró eletrônico, forró tradicional, forró universitário e o forró pé de serra.


"Falando de forró a nível de Fortaleza o fato daqui ter festa de forró de domingo a domingo não só estimula a preservar a cultura do forró, mas também incentiva as pessoas a aprenderem a dança... " , destaca o professor de forró Robson Rodriguez, dono da Academia de Dança Arte & Movimento.

Ainda de acordo com o professor Robson o forró é muito voltado para a paquera; várias das pessoas que dançam forró são aquelas que querem paquerar e que querem de alguma forma usar a arte de sedução através de uma dança.

Segundo ele, um dos motivos da expansão do forró por todo o Brasil foi porque muitos músicos Nordestinos sairam do Nordeste para a região Sul. O maior mestre do forró nasceu aqui no Ceará, o famoso Luíz Gonzaga; quando ele foi para o Sul a dança nordestina foi valorizada. A dança Nordestina não se valorizou porque é daqui mas porque é daqui e foi para o sul, então os nordestinos ainda sofrem muito com isso.

Inclusive, tem uma música do Jackson do Pandeiro chamada A Ordem é Samba que fala justamente sobre o preconceito que o forró sofreu, porque tinha uma época em que toda música pra fazer sucesso tinha que ser samba, pouco tempo depois veio Ney Matogrosso e fez uma regravação dessa música só que de uma forma mais moderna e tirou a característica da música, já que a música original falava sobre samba mas era cantada em ritmo de forró, então a música era uma crítica para a época, explica Robson Rodriguez.

Para o professor de forró, além de Luíz Gonzaga ter ajudado muito a difundir o forró pelo Brasil, outro fator foi a criação da Rede de Rádio Son Zoom Sat no final da década de 90; que era cearense e o dono era Emanuel Gurgel também era dono da banda cearense de forró Mastruz com Leite, " Aí ficou aquele ciclo, Mastruz com Leite, depois Forró Maior, o ciclo durou uns cinco anos ai depois o forró cresceu muito nacionalmente; começou com essa coisa de mudança de show como o Emanuel Gurgel que foi quando tinha essas bandas mais clássicas.


Mastruz com Leite foi uma das principais bandas que fez com que o forró fosse mais reconhecido nacionalmente, a banda inovou no forró colocando instrumentos de sopro e o piano se diferenciando um pouco do forró tradicional onde os únicos instrumentos era o triângulo a sanfona e o zabumba.



Ao ser questionado sobre qual o principal elemento da dança do forró do qual não se pode abrir mão o professor rapidamente responde: o dançar juntinho, o dançar abraçado; ter a "senvergonhise, sem esse elemento não tem forró; tanto o homem como a mulher tem que ter aquele momento senvergonha. Robson ainda afirma que não acha o forró sensual, ele acha a dança maliciosa.


O professor resalta que esse novo estilo de forró, mais conhecido como forró eletrônico ameaça o forró tradicional; o forró pé de serra, mas também afirma que sempre haverá espaço para os dois estilos de forró, em Fortaleza o Kukukayia merece destaque por preservar o estilo tradicional de forró que sempre procura trazer nomes conceituados do forró pé de serra como Dorgival Dantas e Dominguinhos para tocar.


Dominguinhos em uma reportagem comentou que achava muito bom o forró eletrônico e que ele sai lucrando com isso, pois os turistas ao chegarem ao Ceará logo fazem a seguinte pergunta: quem realmente toca forró aqui? E a resposta não podia ser outra: Dominguinhos. Ele é quem realmente toca o forró pé de serra, afirma Robson Rodriguez.



Outros grupo atual que se destacam são o Falamansa que, apesar de ser um grupo novo, preserva o estilo tradicional do forró e o Peixe Elétrico. "Atualmente o forró eletrônico está predominando, porque hoje tem essa coisa de forró que se dança, forró dançado e o forró que você vai para beber uísque, há 10 anos atrás você ia para um forró e via pessoas dançando muito bem,aí os empresários viram que isso não dava dinheiro e começaram a introduzir novos rítmos no forró, como por exemplo a swingueira da Bahia, batidas de salsa e até mesmo de funk; então as pessoas deixaram de dançar mais e começaram a consumir mais bebidas e consequentemente os empressários passaram a lucrar mais... Hoje em dia uma pessoa gasta no mínimo numa festa de forró 30 reais fora o imgresso para a festa, inclusive até as letras das música de forró estão induzindo não so ao consumo de bebidas mas ao consumismo em geral. Inclusive tem um texto do Ariano Suassuna que critíca o conteúdo nas novas musicas de forró. Nesse texto fica explicito que esse conteúdo digamos assim "xulo" das músicais atuais de forró não é culpa só das bandas, mas da nossa atual cultura e sociedade também.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Misticismo do Candomblé

O Candomblé é uma religião que tem por base a alma da natureza. Foi desenvolvida no Brasil quando, entre 1549 e 1888, os escravos foram trazidos da África. Esses escravos tinham conhecimentos dos sacerdotes africanos e cultuavam seus orixás (também chamados de Inquices ou Voduns).

Praticada pelo chamado povo do santo, é uma das religiões afro-brasileiras mais populares, tendo mais de 3 milhões praticantes só no Brasil. Em Fortaleza, os espaços destinados ao culto da religião são vários. Pai Sérgio de Ogum, que é dono de um terreiro, abriu suas portas e contou sua história.

“O Candomblé é o meu conceito de vida e um encontro com a minha ancestralidade. Sou de uma família evangélica e católica, para ingressar não mudei de religião, apenas resolvi buscar novos ensinamentos que levam a um único Deus supremo.

Eu tinha um amigo, do grupo de teatro, que sua família fazia parte, daí ele me chamou para conhecer e me deslumbrei ao ver um orixá pela primeira vez. Se, por exemplo, o cidadão vai ao culto evangélico e as palavras tocam seu coração é porque naquele lugar ele se sente à vontade em orar para Deus. Depois vai outra vez, até que quando menos espera já está envolvido e iniciado a ser um evangélico. Da mesma forma é o candomblé, você não vai chegar e já se tornar um ‘filho de santo’, há uma visita, depois outra e outra... Quando menos esperar, já está participando dos atos. Mas isso só acontece quando há uma identificação com a religião. Depende de cada pessoa. Decidi que era isso o que eu queria para minha vida e sou muito feliz com o caminho que escolhi. Religião não é algo que se indica, mas sim, algo que sente em seu coração.

Você convive com a religião e, dentro de si, saberá o momento certo para participar dos atos, pois a partir do momento em que está participando das festas da casa, já pode se considerar um iniciante.

Em paralelo às minhas coisas, ao meu trabalho, estou sempre em harmonia com o lado espiritual, seja nas oferendas ou nos cultos. E para tudo se há um ritual. Os ‘ebós’ são para retirar toda energia negativa do corpo, há o de iniciação, conhecido como oferta e bori.

A religião, anteriormente, era apenas uma maneira de estar mais próximo com a sua fé. Quando veio para o Brasil, o mais importante era a libertação da escravidão. O número de pessoas que cultuavam os ‘santos’ eram bem reduzidos e havia a necessidade de não deixar o ritual morrer. Atualmente, o candomblé tornou-se um comércio. Quando abrimos os jornais e passamos pelas ruas, há inúmeros anúncios que comprovam a banalização. Ninguém pensa no próximo e o orixá não está à venda, mas sim é um sentimento que nasce dentro do coração de cada um. É um encontro.

Muitas pessoas perguntam, às vezes até de forma espantada, se acontecem sacrifícios. Como em toda religião, há sacrifícios sim! Há o sacrifício da oração e do ofertório. O que nos diferencia é que nós utilizamos alguns animais para o sacrifício. É oferecendo o sangue do bicho que dá força a ele que também nos fortalece como seres humanos na fé. O cristão sacrifica um horário da sua vida para ir à missa, nós sacrificamos um horário para louvar ao nosso orixá. No entanto, tudo acaba se tornando um sacrifício.

No candomblé há ensinamentos e preceitos É uma religião antiga que não se repassa pela escrita, mas sim, por ensinamentos e oralidade. Para se ter ideia, Cleópatra também era adepta ao candomblé. Existem outras personalidades, umas até atuais, como Gal Costa, Maria Betânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alcione, Naomi Campbell, até mesmo Jorge Amado, Getúlio Vargas, João Figueiredo.

Minha religião é minha vida. Acredito que não fui eu que escolhi a religião, mas sim, ela que me escolheu. Como qualquer outra, é preciso participar, ver, aderir o princípio e, principalmente, aceitar a sua fé. Afinal, todos levam a um único Deus.

Enfim, você pode encontrar vários rituais do candomblé, no entanto, há coisas que não são ditas nem escritas, mas sim, vivenciadas.”






A mistificação que envolve cada uma das religiões, crenças e doutrinas é algo que, de um modo ou outro, sempre desperta a curiosidade alheia. Na maioria das vezes, essa curiosidade vem aliada ao preconceito, mas isso é fruto da falta de informação.


No barracão da Casa de Candomblé Ilegibá Axé Possun Aziri (casa de orações, força e raiz de criação), acontecem as reuniões ministradas pelo Pai Shell. O ritual de homenagem a Xangô é um dos mais esperados pelos presentes.

A abiã, Bárbara Guerra, narra a experiência de estar lá.

“Ao entrar no terreiro ou roça da Casa do Pai Shell fui como uma simples abiã, que significa está ali apenas para conhecer de perto a religião. A limpeza e organização do local não é uma simples questão de higiene, estão relacionados à limpeza espiritual. O local como um todo cheirava a ervas e dava a sensação aconchego. Para contrastar com as grandes catedrais, a casa em que assisti a festa de Xangô (deus da justiça) é uma morada muito simples. Não dava pra imaginar que nos fundos daquela casa poderíamos sentir uma energia tão forte.

Era possível sentir a presença do Pai Shell mesmo ele não estando no ambiente. Quando da sua chegada, vi que ele era muito diferente do que imaginava, mas em um aspecto ele não decepcionou: a confiança das suas palavras. Ele explica que tudo na religião do candomblé veio do Keto (religião africana) histórias e tradições trazidas pelas rainhas africanas feitas escravas no Brasil. Tudo havia sido transmitido pela oralidade de pai para filho, de geração para geração. A religiosidade africana resiste pela força dos orixás, espíritos da natureza que são o elo entre homens na terra e o grande Olorun, Deus”.


A Festa de Xangô

“Tá na hora de começar nossa batucada, tá tudo atrasado”, diz Pai Shell para chamar a atenção dos presentes e dar início à festa. Já passa das 21h e estou no barracão da Casa de Candomblé Ilegibá Axé Possun Aziri (casa de orações, força e raiz de criação).

É dado início ao eletrizante som dos atabaques. O corpo se arrepia, fica inquieto, é tomado por uma vontade de dançar e acompanhar as músicas cantadas na língua africana iorubá.

Os rodantes ficam dançando no centro do barracão e é chegado o momento em que os orixás baixam em seus corpos. É difícil acreditar, mas o corpo de quem recebe o santo muda de fisionomia. Como Xangô é um orixá homem, o rosto delicado e sorridente de Mãe Lu se transfigura, adquire uma fisionomia masculina e um semblante fechado. Momentos depois todos recebem seus orixás e é possível notar mudança na cor dos olhos e na voz de cada um deles.

Olhando aqueles que vão assistir a festa é possível ver gente de diversas classes sociais, professores universitários, dependentes químicos recuperados etc. Cheguei à conclusão que o candomblé é um ritual de dança e aceitação, não importa classe, cor, orientação sexual, nem mesmo o credo, pois, segundo Pai Shell, ‘as pessoas precisam entender que não existe religião certa, o importante é ter Deus no coração’.”




Por JP Correia e Bárbara Guerra

O verdadeiro som é o do vinil


Nem MP3 player, nem Ipod, o que eles desejam é escutar o velho bolachão. Na contramão das inovações tecnológicas, que mudam a cada dia o nosso modo de escutar música, existe em Fortaleza um grupo, ainda disperso, de admiradores dos discos de vinil que considera seu som o mais verdadeiro de todos.

O Long Play, também chamado de disco de vinil ou bolachão, foi uma mídia criada no inicio dos anos 1950 para a reprodução musical através de um toca-discos, visando substituir a utilização dos discos de cera, de 78 rotações. No Brasil, a substituição dos discos de vinil pelo CD iniciou no começo da década de 90.

Como os bolachões resistem numa sociedade que exige cada vez mais recursos rápidos, compactos e portáteis? O orientador administrativo Carlos Magno, que deixou de lado sua coleção no auge da invenção do CD, tenta uma explicação. “Escutei uma frase interessante certa vez; 'hoje temos mais músicas arquivadas e cada vez ouvimos menos músicas'. Então ascendeu uma luz e eu percebi que o disco de vinil você escuta ele todo. Pega o encarte, abre a capa, limpa o disco”, disse o colecionador, que é DJ do Órbita Bar nas horas vagas.

Leontino Eugênio (foto), proprietário da loja Botija Discos, especializada na venda de LP's e CD's, considerou que essa tendência pode ser uma resposta a virtualidade da vida moderna. “É muito estranho... Tudo muito informatizado, virtual demais. Acho que o vinil torna as pessoas mais humanas. O vinil faz com que as pessoas 'vejam a música'. Você ouve o disco olhando para a capa, porque a capa faz parte do conceito do álbum. Você baixa um MP3, muitas vezes você não tem o nome da música, nem a capa. Na minha concepção o disco é um objeto audiovisual. Muitos vem com um poster, capa dupla ou tripla”.

Aficionado pelos bolachões, Leontino considera o som dos LP's o mais verdadeiro. “Se você tiver um bom equipamento de som e um bom vinil, o som do LP muitas vezes é melhor do que o CD. Existem CD's bem gravados e mal gravados. Acho que tudo é válido, agora o vinil é que é o verdadeiro som, são os discos gravados na matriz analógica”.

Novos artistas também estão aderindo a utilização do vinil, por considerar um produto mais artesanal e que agrega valor ao produto lançado. A exemplo disso temos o novo disco da Wanessa Camargo, chamado DNA, que teve um número restrito de copias lançadas em vinil para divulgação do álbum.
Os irmãos Victor (foto) e Fernando Fontenele, ambos estudantes de música da Universidade Estadual do Ceará, herdaram da família os discos e mantém até hoje o hábito de escutar os bolachões. "Mesmo depois que veio o CD e muita gente deixou de escutar vinil, a gente continuou curtindo. Recebemos muitos disco dos tios, do meu pai e minha mãe e também um toca discos. Temos desde de Raul Seixas, Chico Buarque, Pink Floyd até música clássica", revelou Victor.
Fernando Fontenele considera que o som do vinil encaixa perfeitamente com o rock. “Me agrada a originalidade. O vinil tem um peso que não tem no som digital. A qualidade muda muito, até mesmo porque as bandas gravam primeiro uma guitarra, depois outro instrumento e não tem a mesma naturalidade, deixa o som muito artificial. O som do CD é muito mais limpo e isso é bom pra escutar alguns tipos de música, mas rock tem que ser sujo mesmo”, enfatizou.
Um ponto parece pacifico entre os admiradores do vinil. Enquanto o som digital, para ficar mais limpo, despreza as extremidades sonoras agudas e graves, privilegiando os sons médios, no vinil esses sons são bem definidos. “Os graves no vinil são melhores, isso todos sabem”, sintetiza Carlos Magno. O colecionador Davy Feitosa concorda. “ O som do vinil tem os graves mais expressivos do que CD ou MP3 e esse é um dos motivos para continuar apreciando os LP's”.
Os bolachões tem seu lugar em Fortaleza
O chiado dos LP's, devido o atrito da agulha com o disco, parece não incomodar os amantes dos bolachões em Fortaleza. A cidade oferece vários pontos para quem é fã dos LP's e a cada dia surgem mais. Em setembro passado Fortaleza ganhou mais um local para os apreciadores dos bolachas pretas. Foi inaugurado o Vinil Andaluz, na Rua Instituto do Ceará, próximo a faculdade de economia da Universidade Federal do Ceará. Em um ambiente agradável os amantes do vinil encontram mais uma opção para curtir os bolachões.
Já com uma certa tradição, o Bar do Vinil em Fortaleza, localizado na Parangaba, funciona às sextas e sábados e é um dos pontos de encontro dos amantes dos bolachões. A estudante de fisioterapia Luana Paula conheceu o lugar através de uma amiga. “Achei muito interessante, tem uma galera massa que frequenta. Você chega lá e pode escolher um disco do acervo para tocar, por isso rola de tudo. Vai do brega, Pinduca até Elvis Presley. Tem um salão onde você pode dançar e as mesas ficam num local rodeado por árvores e com luz ambiente. Bom que também pode esticar, o movimento começa a aumentar por volta de uma da madrugada e vai até de manhã”, lembrou com empolgação.
As noites de quinta-feira em Fortaleza, além das tradicionais caranguejadas, oferece uma opção alternativa para quem deseja escutar os bolachões. Acontece no Reggae Club o projeto "Na Ponta da Agulha", em que os DJ's Mr. Gazos (foto), Thiago Poeta e Bandit Dubwise, juntamente com convidados especiais, executam o reggae roots diretamente dos discos de vinil. "Esse projeto começou no Bar dos Cobras, perto do Dragão do Mar. Já estamos na batalha há três anos para isso dá certo. Hoje já é uma festa consolidada e o melhor é ver as pessoas curtindo",contou o DJ Mr. Gazos.

Um dos pioneiros da venda de discos em Fortaleza é o Bolacha Preta. Depois de trabalhar por anos no comércio formal, Mario Bolacha (foto) resolveu tirar seu sustento com a vendas dos disco de vinis. “Comecei minha coleção em 87, com os colegas aprendendo e conhecendo as bandas. Passa um disco aqui e outro ali e isso me despertou que dava para viver vendendo vinil. Pegava CD e trocava por LP's. Em 95, já tinha minha coleção e tentei uma loja no centro, mas não deu certo. Em 22 de maio 99 comecei o Bolacha Preta”, relembrou.
Outro ponto de encontro dos apreciadores de vinil é o Botija Discos, o proprietário Leontino falou sobre o público que costuma comprar os discos. “Temos pessoas de todas as idades, desde 15 anos até 60. Aqui vem grandes colecionadores, curiosos, garotos e também a velha guarda. Uns se apaixonam e viram colecionadores, outros veem que não é a praia deles”.


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Vinil e a memória da música popular
Através das coleções particulares dos discos temos a preservação da memória da música popular, já que muitos bolachões não foram relançados em outras mídias. O baterista do Titãs, Charles Gavin, encabeça um projeto de restauração de álbuns valorosos da música brasileira que não estavam mais disponíveis e foram relançados em CD.

Atuando em Fortaleza temos o Projeto Semente das Artes, criado há 8 anos, que busca capacitar as pessoas, gerando educação e cidadania através de ações culturais. “Uma dessas ações é preservar a cultura brasileira e de carona a do mundo também. Temos mais de dois mil LP's de todos os estilos possíveis, além de fitas cassete e outras mídias. A ideia é que as pessoas escutem aqui mesmo, disponibilizamos o equipamento com amplificador e pick-up. Serve para pesquisa, estudo e também para o lazer”, explicou o coordenador Jofran Fontelles.

Inicialmente o acervo do projeto era utilizado para informar sobre os gêneros musicais que os alunos não conheciam. “Utilizávamos o arquivo para os alunos de música. Ele servia como referencial, por exemplo, os meninos que eram ligados só ao rock, começavam a entender o que era o baião com Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e outros. A ideia agora é estar disponível para todos independente de classe, sexo ou idade. Servindo também como material de pesquisa para quem quer trabalhar a história da música”, complementou o coordenador.

As coleções particulares de vinil são de extrema importância para conservar a memória da música. Mario Bolacha, dona da Loja Bolacha Preta, cita alguns exemplos de discos que não foram relançados. “Deixa o trem partir do Ivan Lins, o primeiro disco da banda O Terço, os álbuns do Som Três, que é um jazz misturado com funk, são discos que você não vê. O mais raro que eu tenho hoje na loja é o primeiro do Alceu Valença, molhado de suor".

Do acervo do Projeto Semente das Artes, Jofran Fonteles aponta o disco Imunização Racional do Tim Maia como a maior raridade do local. "Foram produzidos na época mil LP's, temos um deles aqui no projeto. Na Europa este disco está avaliado em mil dólares".

Como cuidar adequadamente do seu disco

As coleções de discos de vinil exigem um cuidado redobrado para se manter em alto nível. Além das precauções para preservar as bolachas pretas, é necessário também um cuidado extremo com os aparelhos sonoros. “Para escutar meus discos eu uso um Receiver Gradiente modelo S95, um som da década de 80. Fica cada vez mais difícil encontrar agulha e peças de manutenção para venda. E hoje em dia poucos profissionais que consertam esses aparelhos”, disse o técnico em eletrônica Alexandre.

Com cerca de cinco mil discos disponíveis na Botija Discos, Leontino explica como deve ser o cuidado com a coleção. “Colocar os LP's numa estante em pé, um ao lado do outro e em local arejado. Limpar sempre que for ouvir, passar um paninho antes e depois de escutar. E de vez em quando lavar, se tiver muito sujo. Nunca coloque no sol, porque é claro que vai empenar”, risos.

Em relação aos cuidados com a parte gráfica dos álbuns, Jofran Fontelles alertou, “não risque a capa e não use durex. Se for restaurar tem que usar fita ou papel do mesmo material da capa que é o duplex e sempre por dentro, não usar por fora que tira a originalidade”.


Misturas que dão certo



A cultura brasileira é marcada pela mistura, retrato da miscigenação do seu povo. Prova disso é a música feita no País, principalmente aquelas que, mesmo carregadas de regionalismo, quebraram preconceitos e agradaram a todos por toda a nação, das Planícies Amazônicas às Campanhas Gaúchas.

Foi esse o caso dos nordestinos da Nação Zumbi, com Chico Science e seu manguebeat, e Alceu Valença, que mesclou o som da guitarra com a Dança de Coco. Há alguns anos, esses ritmos foram colocados à margem do cenário cultural cearense.

Porém, apesar da lacuna no Estado, esse trabalho musical continuou a ser desenvolvido no Brasil. Bandas que hoje chamam atenção do público local, como Cidadão Instigado, Curumim, Marcelo Jeneci e Fino Coletivo, não são novatos no mundo da música.

Com sonoridade diferente e de diversas partes do País, essas e outras bandas continuam a reinventar o cenário musical. Os ritmos tradicionais, como o maracatu, coco, samba, forró, carimbo, baião e sertanejo são misturados com o rock, o punk, blues e jazz e dão nova vida às noites brasileiras.

A “mistureba” não é só para os que não empunham guitarras e violões, DJ’s também estão ousando e criando novos ritmos. Para eles, cabe misturar os sons regionais brasileiros com batidas eletrônicas.
Mercado
Se o cenário da noite cearense era subutilizado, hoje a realidade começa a mudar. Apesar de ainda escasso, alguns lugares já se consolidaram como palcos tradicionais desses sons que levam a assinatura da miscelânea do povo brasileiro.

Há dez anos, os DJ’s Marquinhos e Guga de Castro criaram uma das mais tradicionais festas da cidade, que acabou tornando inspiração para outras casas cederem espaço para música brasileira. O projeto Farra na Casa Alheira ocupa lugar de destaque na noite alencarina e apresenta o que há de melhor em bandas e discotecagem.

A “Farra”, como é conhecida, já ultrapassou os limites da cidade e teve apresentações em festivais no Pará, na Paraíba, em Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal, além do interior cearense.

Para o DJ Marquinhos, que já não trabalha mais no projeto, o sucesso é uma questão de saber como trabalhar. “Esse é um mercado ainda muito restrito em Fortaleza, das grandes casas somente o Amici’s e o Acervo Imaginário abrem espaço para a música brasileira. Mas há público, tudo é questão de trabalhar o produto certo para o público certo e misturar. A MPB nunca morreu”, expôs o discotecário.

O produtor musical Albert Agni, concorda que o cenário fortalezense não é dos melhores para a música brasileira, porém, o pernambucano vê na Capital um futuro promissor. “O mercado ainda não é bom, mas está em intensa expansão. Há seis anos trouxe a primeira banda para tocar em Fortaleza e depois disso não parei mais, tanto que montei uma produtora aqui. É um mercado que tem tudo para crescer, basta se descobrir”, apontou Albert.

O produtor foi além, traçou uma diferença básica entre os cenários de Recife e o de Fortaleza, fazendo-o acreditar que um dos complicadores se dá por conta da cultura do cearense de preferir interpretes a bandas autorais.

“O povo de Recife vive de música, enquanto em Fortaleza se faz música por hobby, para amigos. Não tenho nada contra cover, aqui há muitas bandas boas. Porém, em Fortaleza não se cria, copia, e é o mercado que exige isso”, conclui.

Além do Amici’s, com a “Farra”, o Acervo Imaginário é outro local onde as bandas autorais têm espaço para mostrar seu trabalho. A casa também apresenta interpretes, assim como ocasionalmente faz o Órbita Bar. Para os que preferem acompanhar a ousadia dos DJ’s e suas misturas de ritmos, o Boteco do Arlindo e o Flórida bar também se destacam nesse cenário.

Palavra de especialista
O Brasil se fez de misturas e na música não foi diferente. É isso que destaca Pantico Rocha, músico e há quase 20 anos baterista do pernambucano Lenine.

Fervoroso admirador da música brasileira e seu regionalismo, o instrumentista é direto ao dizer que não basta misturar para obter um resultado de qualidade. Para ele, a banda deve trabalhar mais que a introdução de um instrumento em seu grupo, mas saber se ele dará a sonoridade desejada.

“Vejo muitas bandas colocarem instrumentos regionais só por colocar, para falar que é da terra. Não deve ser assim. É bacana misturar, mas o regionalismo tem que ser uma coisa a mais, algo que contribua para o som. A música deve ser universal e não apenas regional”, exclamou o músico, citando sempre o exemplo de Chico Science e Nação Zumbi, que levaram o manguebeat para todo o País, mesclando ritmos regionais, como o maracatu, com rock, hip hop, funk e música eletrônica, fazendo uma música universalizada.

Ao avaliar o cenário artístico cearense, Pantico vê nas políticas públicas um alívio para a música brasileira no Estado. “Não quero fazer política, mas o cenário musical de Fortaleza melhorou muito com essa gestão da prefeitura. A cultura estava completamente esquecida pelos últimos governos e hoje, a Secultfor (Secretaria de Cultura de Fortaleza) investe muito mais que muitos estados brasileiros. Outro projeto governamental de destaque é o “Férias no Ceará”, do Governo do Estado, que está levando shows de grande relevância para o interior do Ceará”.

Como nem tudo são flores, o cearense também fez duras críticas aos empresários locais. “Falta o apoio dos ricos, dos empresários. Eles não têm visão de negócio. Não vinculam suas marcas à cultura. Os engravatados não investem e com isso todos saem perdendo” concluiu.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

"Quem não gosta de samba é ruim da cabeça.. ou doente do pé"



O P-Carnaval de Rua de Fortaleza é uma manifestação tradicional que mobiliza foliões por meio dos blocos e brincadeiras espontâneas, fortalecendo as raízes culturais e estimulando a criação artística do fortalezense.

Mais do que apenas festa, brilho e cor, os blocos se tornaram instrumentos de expressão social e política, indo além de simples manifestação cultural, e sendo compreendidos como objetos de estudos para se entender o que as pessoas pensam sobre elas mesmas e sobre a sociedade em que vivem.

Ao se reunirem e sairem pelas ruas caracterizados e cantandos as tradicionais marchinhas carnavalescas, nós estamos resgatando os antigos carnavais. Esse é o principal objetivo das pessoas que são frequentam os blocos de Pré-Carnaval.

Atualmente, os jovens fortalezenses foram seduzidos e prestigiam cada vez mais o evento. A cena não se repete quando o carnaval propriamente dito chega, pois criou-se o hábito dos carnavais na praia com hits de axé e o "mela-mela".

Fortaleza tem hoje cerca de 80 blocos de Pré-Carnaval espalhados por diferentes bairros e praças da Cidade. O movimento geralmente acontece nos quatro finais de semana que antecedem o carnaval e os ritmistas ensaiam durante o decorrer do ano para garantir a diversão dos foliões.

Destaque

Entre tantas opções, alguns blocos acabam se destacando. O bloco Unidos das Cachorras virou referência entre os jovens e é um exemplo de animação.

O bloco foi fundado no ano de 1997 por um grupo de amigos que tinha o samba como uma paixão em comum. A ideia do nome surgiu da rua onde eles costumavam se reunir, a Rua da Cachorra Magra, atua Marechal Deodoro.


Dez anos depois, o Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Unidos da Cachorra começou a realizar seus cortejos na Praia de Iracema como forma de protesto para revitalização do tradicional e boêmio bairro de Fortaleza.

Atualmente a bateria de ritmistas continua crescendo e já conta com mais de 100 integrantes, se tornando uma referência no cenário musical da cidade.

O Baqueta Clube de Ritmistas também se destaca pela animação. Ele foi criado pela iniciativa do seu atual diretor Carlos Henrique, mais conhecido como Carlinhos.

Carlinho nasceu em Niterói (RJ), mas sempre viveu em terras cearenses. Ele não deixou sua cultural original e essa paixão pelo ritmo da percussão originou o bloco.

Mais recente, o Baqueta foi criado em 2007. A bateria foi inspirada no tradicional projeto Tamborim Sensação do Rio de Janeiro e fundamentado pela metodologia “O Passo”, utilizada em escolas e oficinas de percussão no Brasil e no exterior.

Foi misturando a alegria própria dos sambistas com o som de instrumentos como o tamborim, o repique, o surdo, o chocalho, o agogô, a cuíca e a caixa de guerra que, hoje, o Baqueta conta com mais de 100 alunos, entre ritmistas, monitores voluntários e parcerias com escolas de samba do Rio de Janeiro, como Portela, Unidos da Tijuca, Salgueiro, dentre outras.

Seu repertório inclui clássicos do samba, sambas-enredos de escolas campeãs do carnaval carioca e músicas adaptadas para o ritmo de escola da samba, passeando de Chico Buarque a Jorge Benjor, Gonzaguinha e Maria Rita. E é assim que o Baqueta agita multidões em festas particulares e nos pré-carnavais de Fortaleza.


Para a estudante de estilismo em moda Vanessa Carneiro, o pré-carnaval já é uma tradição e por isso prefere frequentar os blocos mais antigos. “É um tipo de folia que lembra como eram os carnavais antigamente. Além de ser muito bem organizado, as pessoas que frequentam, geralmente, são famílias, ou seja, praticamente não há confusões”.

Segundo a estudante, os melhores dias para ir são os últimos finais da semana. “Costumo ir aos dois últimos sábados quando já está bem lotado. Assim posso rever todo mundo e matar a saudade”.
Já a aluna de direito, Talita Dutra para se divertir considera o bloco “Unidos da Cachorra”, o melhor. “Durante o pré-carnaval costumo ir umas três vezes para a folia, e frequento o bloco Unidos da Cachorra, pois é o mais frequentado pelos meus amigos”.


Apoio da Secultfor

O Pré-Carnaval em Fortaleza conta desde 2005 com o apoio da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), mas foi apenas em 2007 que a Prefeitura passou a apoiar a festa com um investimento financeiro, que naquele ano foi de R$ 247, 5 mil a 45 blocos selecionados.
Segundo dados da Secultfor, de 2008 a 2011 o valor destinado para os blocos subiu para R$ 300 mil, premiando 50 blocos.
Já para o próximo ano 60 agremiações serão contempladas, cada uma recebe o valor de R$ 6 mil, ao todo o de 360 mil. De acordo com a Secultfor, foram selecionados projetos que reúnem grupos de brincantes realizadores de cortejos pelas ruas ou praças de Fortaleza, fantasiados ou não, que desfilem ao ritmo de samba, frevo ou marchinhas carnavalescas e utilizem instrumentos de sopros, metais ou percussão.

Para participar do Edital, os blocos têm que ter como local de concentração e desfile espaços públicos como praças, parques, ruas ou avenidas; ter desfilado, no mínimo, dois dias no pré-carnaval de Fortaleza em anos anteriores; ter um público superior a 200 pessoas em cada edição; utilizar banda de sopros e metais, charanga e/ou bateria fundamentada em ritmos de raiz.


Jacqueline Nóbrega e Suzane Saldanha

"Meu forró, não deixo não"

Airton Guedes (dir.)  gosta tanto do ritmo, que se atreve a dar aulas. / Foto: Arquivo pessoal

            Sem dúvidas o forró é a cara do nordeste, afinal grande parte da população gosta do ritmo. E aqui em Fortaleza não foge à regra. São inúmeras casas de shows voltadas para esse público. No entanto, mesmo curtindo o som, há diferenças entre o estilo de cada forrozeiro, até mesmo entre as bandas escutam. Não é só a sanfona, o zabumba ou o triângulo que caracteriza a melodia do forró. Existem várias vertentes dentro desse ritmo como o pé-de-serra, baião, xote, eletrônico etc. Além de casas de shows voltadas especificamente para cada “tribo” do grande grupo forrozeiro. 

O estudante de Publicidade e Propaganda, Ramon Ortega, 22 anos, adora ir ao forró. E o estilo do som “depende do momento e da festa”, explica. No entanto, não há dúvidas que a tribo forrozeira que ele se encaixa melhor é a eletrônica. “Gosto de Forró Sacode, Forró Real, Aviões do Forró, Forró do Bom, Forró dos Plays, Forró Pé-de-ouro, Solteirões...”, afirma. Além disso, uma vez por mês, Ramon frequenta o Kangalha, casa de shows conhecida como a sexta-feira forrozeira de Fortaleza, onde toca “Forró Eletrônico na maioria das festas”, conta Júnior Guerra, responsável pela área de administração, marketing e relações públicas da Casa.
De acordo com Júnior, “não só os frequentadores do Kangalha, mas o público jovem forrozeiro em geral, curte bem mais o forró eletrônico, por estar bastante presente em todas as festas desse público e por ter modernizado o ritmo”. Para ele, o som mais tradicional “fica a gosto dos frequentadores de forrós mais antigos ou de pessoas que trazem o forró do berço (tem família no interior do Estado)”. Contudo, o analista de sistemas Carlos Rafael e o estudante de administração Airton Guedes - ambos de apenas 28 e 24 anos - são fortalezenses e preferem um bom forró pé-de-serra no Kukukaya.
Há 15 anos, a Casa de shows é famosa na Capital por oferecer músicas que preservam os ritmos tradicionais do forró: arrasta-pé, baião, xote, xaxado, forró e toada (clique aqui para ouvir cada tipo). Segundo o proprietário, Walter Medeiros, a “lambada eletrônica”,  não entra no repertório dos artistas que tocam na Casa. Além disso, o público que vai ao local é bastante fiel, “antenado e exigente”, conta. O analista de sistemas Rafael, por exemplo, vai no mínimo uma vez por semana ao Kukukaya ou ao restaurante Delícias do Sertão. Segundo ele, “são os únicos lugares que tocam o forró pé de serra autêntico”.
Em geral, de acordo com a jornalista Ana Carolina Maia, 23 anos, que vai ao forró uma vez por mês, “as festas são bacanas quando se leva sua turma, é muito raro alguém ir sozinho para um forró”. Outra tendência é que os grupos adeptos ao forró eletrônico frequentam casas diferentes, como Kangalha, Forró no Sítio e Danadim. Enquanto os que preferem o forró tradicional são assíduos ao Kukukaya, até porque não existem muitas opções para essa “tribo”. Elas se resumem praticamente a esta Casa, ao Delícias do Sertão e ao Mercado dos Pinhões.
Devido ao grande público forrozeiro que existe na Capital, bares e restaurantes, também abertos a outros ritmos, tocam forró eletrônico. Um exemplo é o Boteco, bar que traz uma banda de forró pé-de-serra às quartas-feiras.


Forró pé-de-serra x Forró eletrônico





Saiba onde encontrar casas de forró:



Visualizar Casas de Forró em um mapa maior


Por: Marília Pedroza e Renata Frota

CULTURA POPULAR: Erudito x Popular




Inicialmente, tenhamos algumas idéias sobre o que vem a ser cultura.

O termo cultura está associado a todas as formas de existência e riqueza da humanidade. As realidades dos agrupamentos humanos e as características que os unem e diferenciam são complexas. A cultura expressa essas características. Assim, podemos dizer que cultura diz respeito à humanidade como um todo e, ao mesmo tempo, a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos, uma vez que eles estão sempre interagindo.

As riquezas das variadas formas de culturas e suas relações, dizem respeito a cada um de nós. Saber se há uma realidade cultural comum à nossa sociedade é algo importante, pois a cultura nos ajuda a pensar, decisivamente, sobre nossa própria realidade social.

O termo cultura está muito associado a estudo, educação e formação escolar. Outras vezes, quando se fala em cultura, automaticamente faz-se associação com manifestação artística, a exemplo do teatro, a música, a dança, a pintura, escultura etc. Também não se deve desprezar a idéia de que cultura na sociedade pós-moderna relaciona-se com os meios de comunicação de massa, tais como o rádio e a televisão. Ou então a ideia de cultura faz lembrar as festas e cerimônias tradicionais, lendas e crenças de um povo seu modo de vestir, comer e seu idioma.

Resumindo, duas idéias principais circundam o conceito de cultura. A primeira diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou de grupos dentro de uma sociedade. A segunda ideia de cultura se refere mais especificamente a conhecimento, às crenças e às maneiras que elas existem na vida social.

A palavra cultura vem do latim e seu significado original está ligado às atividades agrícolas. Vem do verbo latino colere (cultivar).

Na antiguidade, pensadores romanos ampliaram esse significado para a educação aperfeiçoada das pessoas. Essa noção antiga continua em voga até hoje.

Partindo da idéia de cultura como uma educação refinada, acabou-se por transformá-la na descrição das formas dominantes de conhecimento já a partir do fim da idade média na Europa.

Pois eis que esse conhecimento aperfeiçoado, a educação refinada, passou a denominar-se de ERUDITO. A esse conhecimento erudito somente tinha acesso as classes sociais elevadas da Europa. Em oposição ao erudito, existia a idéia do conhecimento ao alcance da maior parte da população, tido como inferior e desprezível. Esse conhecimento popular passou a identificar-se e manifestar-se como cultura POPULAR. Nela, encontram-se os pensamentos e ações das populações mais pobres de uma sociedade.

Segundo o teórico Antônio Gramsci, ao lado da chamada cultura erudita, transmitida pela escola sob a chancela das instituições, existe a cultura criada pelo povo, com concepção de mundo e de vida paralela aos esquemas oficiais.

Assim, por cultura popular pode-se entender as manifestações diferentes da cultura dominante, que estão fora das instituições oficiais, existindo independentemente dessas, apesar de concomitante. Interessante que a própria elite cultural é quem desnvolve o conceito de cultura popular.

A IDÉIA DE ERUDITO E POPULAR RELACIONA-SE À OPOSIÇÃO ENTRE OS INTERESSES DAS CLASSES SOCIAIS. A propósito da divisão entre erudito e popular, o Professor Batista de Lima, membro da Academia Cearense de Letras, se manifesta. Ouça. http://www.baixa.la/arquivo/2070629

Ainda sobre o erudito e o popular, o poeta e Juiz de Direito Marcos da Silva, ilustra com o seguinte áudio. http://www.baixa.la/arquivo/3678314

Finalizando, escutemos uma manifestação de cultura tida por erudita, com a participação do Juiz de Direito e Poeta Marcos da Silva, declamando uma poesia sobre "livro", bem como uma manifestação dita popular, com o poeta potiguar Antônio Franciso, numa poesia que descreve o dia em que ele passou por uma cirurgia no coração devido a um enfarto. http://www.baixa.la/arquivo/6718298

Arte nossa para eles

A arte cearense está intrinsecamente relacionada ao turismo. Quer sejam figuras feitas em barro ou madeira, grandes esculturas ou mesmo pequenas garrafas cheias de uma areia colorida que mais parece tinta, o artesanato local é rico em cores, formas. e, principalmente, pessoas que dedicam vidas inteiras ao trabalho. Os objetos já são marcas registradas de Fortaleza e quem mora ou é daqui conhece, mas, segundo artesãos e comerciantes, quem compra e aprecia mesmo são pessoas de fora.

Excepcionalmente, em uma quarta-feira de manhã, alunos de um colégio público do Estado foram levados a Empresa Cearense de Turismo, EMCETUR, ou Centro de Turismo, como é mais conhecido, em uma aula de campo. O grupo consiste de alunos da 9ª série, entre 14 ou 15 anos, a maioria já com aquele ar blasé de quem não está interessado em ver rendeiras, beber cajuína ou olhar para arte que julgam sem graça. Uma das garotas, Fernanda   14, diz, “preferia estar na lan house perto de casa, vendo se alguém já postou algum vídeo do show do Bieber de ontem no Youtube”. Apenas uns poucos param para assistir e até fazer perguntas enquanto um artesão, pacientemente, em meio ao barulho, desenha com areia, instrumentos e uma minúcia incrível em um copo pequeno de vidro, traçando casas, dunas, o mar e um céu colorido, sem esquecer o nome da cidade, Fortaleza.

Sacada da frente da EMCETUR (Fonte: emcetur.com.br)
Os maiores compradores dos objetos são turistas, principalmente brasileiros de outros estados. De acordo com Antônio Rodrigues, o artesão mencionado, que trabalha diariamente no centro, poucas vezes aparece um cearense que para e compra, mas os turistas se encantam com as obras. O período de mais vendas é durante a alta estação turística, nos meses de Dezembro, Janeiro, Junho e Julho, ou quando um navio chega ao porto do Mucuripe, mas tem dias que nada é vendido. “O cearense mesmo prefere coisas de fora, importados, não dão muito valor ao que é local”, comentou Antônio. 

ARTE EM AREIA
O artesão já trabalha com silicogravura (que significa, literalmente, desenho em silício, o principal componente da areia e também matéria prima do vidro) há mais ou menos 30 anos. Aprendeu com o pai uma atividade que passa de pai para filho há gerações. “Que eu saiba,” disse ele, enquanto prosseguia o trabalho, “não existem cursos que ensinam a fazer isso, é uma atividade familiar mesmo. Meu pai sabia e minhas filhas sabem, mas não praticam, querem outras coisas”.
Falésia de Morro Branco, Ce. (fonte: Internet)

Segundo Antônio, a origem da prática é creditada a duas histórias, em uma, crianças da comunidade de Majorlândia, do município de Aracati, no litoral leste do Ceará, começaram a pegar a areia colorida das falésias e fazer desenhos com finas varas de bambu, competindo para ver quem fazia coisas mais bonitas, em outra versão, uma viúva da mesma praia, sofrendo de depressão com a morte do marido, passou a fazer arte com areia para escapar da solidão.

A areia das falésias cearenses tem, naturalmente, 13 tonalidades terrosas. Finamente peneirada até se tornar um pó leve, a areia colorida que vemos hoje, azuis, roxos, amarelos e outras cores vibrantes, é obtida das mesmas falésias e tingida com anis e pó xadrez, usados para colorir tecidos e chãos, mas até os tons que antes podiam ser encontrados nas dunas, atualmente tem que ser obtidos através de tingimento porque a obtenção da areia em dégradé, feita em buracos profundos, foi proibida quando muitas falésias começaram a desmoronar por causa da extração feita indevidamente. 
A EMCETUR
Antônio faz parte de uma associação de 30 artesãos que foi formada em 1973 no bairro Cristo Redentor, em Fortaleza. Os membros do Centro Artesanal São Vicente de Paula expõem suas artes, que inclui trabalhos em renda, esculturas, crochê, silicogravura, entalhes em madeira, entre outros, na loja 03 da ala central da EMCETUR, que foi, outrora, a cadeia pública de Fortaleza. O centro já existe há trinta anos e foi recentemente reformado pelo Governo do Estado, 104 lojas se dividem entre 3 pavilhões, no andar de cima, um museu, que nem os próprios lojistas sabem se funciona ou não, conta com objetos de arte representativos da cultura local que estão mais ou menos esquecidos (e escondidos) para quem não tem um interesse ativo em procurá-los - a propósito, o museu está em funcionamento, aberto de Segunda a Sábado.
Interior da Centro (fonte: emcetur)

Para Ana Renê, Diretora Financeira da associação, “o grande problema daqui é que o governo não dá muito espaço pro Centro. A prefeitura está o tempo todo falando do Mercado Central, que é um modelo, moderno e ponto de referência do turismo de Fortaleza, mas o centro não tem a mesma publicidade do mercado ou da feirinha da Beira-Mar, muita gente não sabe nem que existe”.

Por ser no prédio da Cadeia Pública de Fortaleza, tombado pelo patrimônio histórico, qualquer ação proposta pelos lojistas para mudança no exterior para revitalização do local tem que ser licitada e demora muito para ser feita. Reclamações relativas à administração do local não faltam. Mas os lojistas e artesãos todos concordam que, para atrair mais turistas e compradores e manter essas artes singulares, o principal é divulgar mais lugares como o Centro de Turismo e que a população cearense lembre que pode encontrar coisas incríveis nos lugares mais comuns e aprenda a dar mais valor ao artesanato local.

A Cultura da Renda


A verdade sobre a origem da renda historiadores não têm uma conclusão formada. Acredita-se que o berço dessa arte foi na França, Itália e Egito. O que se tem ao certo é que é uma arte muito antiga.
A nossa renda de bilros chegou ao Brasil através dos Portugueses. Foram as mulheres açorianas que disseminaram essa arte por todo país, especialmente no litoral nordestino. As rendas sempre estão presentes na moda feminina até os dias atuais. Sejam em estações mais quentes ou frias, elas sempre dão o ar da graça, mostrando sua beleza e charme retrô.
Desde sofisticados aos mais populares, a renda consegue atender a todos os estilos. A delicadeza desse trabalho que incorpora parte de nossa história colonial mantém-se presente até os dias de hoje em nossa forma de se expressar através da moda.
A designer de moda Ana Lúcia Pierre falou sobre a identidade brasileira e nordestina que a renda carrega. O trabalho antes feito somente artesanalmente, hoje é fabricado em grande escala industrial Brasil a fora, o que fez da renda algo popularmente mais acessível.
Além disso, Pierre mostrou a versatilidade do material que hoje, pode ser usado de variadas formas e em qualquer estação.

É verdade que a renda nunca sai de moda independente da estação?
Sim. A renda carrega em si, atemporalidade, sendo em cada estação, adaptada, modernizada, pesquisada, para que haja sempre uma releitura da mesma, que acompanhe as tendências e as demandas do mercado e agrade ao consumidor final.

A renda carrega que identidade? Quando mencionamos renda, normalmente remetemos as rendeiras nordestinas que trabalham há décadas na confecção artesanal de uma diversidade imensa de peças. Nos dias de hoje a renda passou a ser muito industrializada, mas a sua verdadeira essência sempre será do primoroso trabalho manual das mulheres rendeiras do agreste.

Quem são os estilistas que mais conhecidos por trabalhar com renda? Gosto muito do trabalho da estilista alagoana Martha Medeiros. Ela costuma trabalhar suas luxuosas peças a formas artesanais porem sempre muito requintadas. O resultado são pecas riquíssimas em detalhes ultra românticos, atemporais e com matéria-prima de altíssima qualidade.

Existe alguma estilista cearense que se destaque no mercado fazendo uso desse material? A marca cearense “Lenita Negrão” tem em seu grupo de estilo as designers de moda Paula Couto e Maria Lúcia Negrão que também têm trabalhado de forma surpreendente com vários estilos de renda. As duas trabalham misturando esse material com tecidos de várias texturas e estampas, o resultado têm sido pecas belíssimas, delicadas e chiques. A duas têm se destacado na moda local, sendo cada vez mais reconhecidas pelo excelente trabalho.

Em sua opinião existe algum de designer de moda internacional que se destaque por seu trabalho com a renda?
No âmbito internacional “Dior” trabalha sua alta costura beirando a perfeição, e porque não dizer perfeita! Misturando tipos de rendas a suas peças de forma extraordinária, enche os olhos de mulheres de todas as classes sociais.

Você gosta de usar a renda para compor seus looks?
Gosto muito de usar um estilo de renda que transmite delicadeza, romantismo, leveza. Entretanto, dependendo do estilo, forma e cartela de cores, ela também poderá ser traduzida de forma ousada, rock, sexy, grunge e outras diversidades de estilos que atendem a demanda em todos os segmentos de moda. Pessoalmente, acho mais apropriado para o clima do nosso estado a proposta da leveza e sobriedade ao qual a renda carrega, deixando qualquer look chique, feminino e atemporal. Nos dias de hoje é essencial pensarmos no custo-benefício das peças nas quais investimos. Por isso aderir a renda é uma forma de adquirir peças que poderão ser usadas sem restrições nem medo em todas as estações do ano.

Eu vou pra vaquejada e vou levar você

A vaquejada nasceu nas pegas de bois dentro da caatinga nordestina e se popularizou como divertimento para homens que mostravam habilidade suficiente para domar o gado. O trabalho do vaqueiro, no começo, era reunir o gado no tempo de seca e conduzi-lo para onde ainda houvesse pasto verde no sertão. Estes homens se embrenhavam entre plantas acinzentadas e viam em seus próprios corpos as marcas deixadas pelos espinhos e pontas de galhos da vegetação seca. Os que se mostravam melhor adaptados à aridez e às intempéries da região foram sendo valorizados, na dúvida de quem seriam os melhores, se organizou uma disputa. Em meados da década de 40, uma vertente rude do que seria a vaquejada começou a ser praticada com assiduidade: a corrida de pé-de-mourão. A atividade baseava-se na derrubada do boi o mais próximo possível da porteira de onde saía. O risco que a dupla de vaqueiros corria era enorme, visto que um teria que derrubar e o outro pular do cavalo em movimento, e pegar o boi enquanto ainda estivesse no chão.

Um novo esporte


Sucessivas mudanças foram responsáveis pela evolução, até ser criado um regulamento que consolidou a vaquejada como uma nova modalidade esportiva. Atualmente, os participantes disputam divididos nas categorias amador e profissional. As faixas, no final da pista, têm um espaço padronizado de 10m. Cada inscrição dá direito a três bois que conferem oito, nove ou dez pontos. Estes pontos, porém, só são contabilizados se, no evento da queda, o boi levantar e deixar visível as quatro patas. Em caso de dúvida, o julgador analisa e passa a informação para o locutor para que ele anuncie os tradicionais: “Valeu o boi” ou “Zero boi”.

O uso do capacete confere bonificação a quem usa. Tecnicamente o boi não pode ser açoitado nem ter a cauda quebrada sob pena de desclassificação de quem o fizer. Os cavalos só podem correr se apresentarem os exames de anemia (doença contagiosa que prevê o sacrifício do eqüino que contraia) e mormo (zoonose grave que pode ser transmitida para o homem). O estabelecimento dessas regras deixou o esporte mais seguro, fazendo com que cada vez mais pessoas se interessassem por ele.

A mudança trouxe também um ônus muito grande, já que com a popularização, a vaquejada saiu do interior e ganhou as grandes cidades, na chegada a essas cidades, os adeptos também mudaram. O patrão, dono de fazendas, que antes ia só para assistir, já não pagava mais a um vaqueiro para que corresse e divulgasse seu nome, mas ele mesmo e seus filhos passaram a usufruir da glória e do reconhecimento trazido pelas premiações.



Negócio lucrativo

A chegada da “classe A” ao “mundo da vaquejada” mudou os parâmetros de uma prática totalmente sertaneja, comprometendo suas origens. Os próprios vaqueiros sentem o acontecido: “As mudanças trouxeram parques com estruturas altamente modernas, premiações milionárias e cavalos que custam fortunas. Já não é mais a coragem e a habilidade que contam, agora e preciso ter dinheiro para poder praticar. A vaquejada está passando por um processo de descaracterização, já que muito mais que o espetáculo de força e garra que um dia fora, é agora um grande e lucrativo negócio.” Afirma o vaqueiro cearense e juiz de direito, Djalma Benevides. A injeção de dinheiro permitiu que atitudes ilícitas e vícios perniciosos chegassem aos espaços de corrida. O monopólio dos empresários sobre os melhores vaqueiros, a limitação desse vaqueiro que passa apenas a responder o que ordena sua equipe e o consumo de drogas caras e destrutivas são exemplos destas atitudes.

E inegável, porém, que após esse crescimento, inúmeras pessoas foram beneficiadas direta ou indiretamente pelos empregos gerados na vaquejada. Fazem parte impreterivelmente do evento o locutor, o julgador, os responsáveis pelo curral, o tratador dos cavalos, o calzeiro e os ambulantes. “A tradição ligou também a vaquejada às festas de forró, é impossível pensar em vaquejada sem festa. Na estrutura de cada parque são sempre disponibilizados espaços para a realização desses eventos que se tornam cada vez mais diversificados, já que atrai públicos imensos.” Diz Phillipy Costa, responsável pelas atrações que animam a vaquejada do maior parque de João Pessoa, na Paraíba, explicando o sucesso da parceria forró-vaquejada.

Regulamentação

A seriedade com que a vaqueirama encarou durante esse tempo “a vida de gado” foi finalmente reconhecida por lei, beneficiando os que vivem da prática como vaqueiros profissionais. A Lei 10.220 de 11 de abril de 2001, assegura, entre outras coisas, que deve haver um contrato escrito entre os responsáveis pela equipe e o vaqueiro, onde devem constar cláusulas referentes à divisão de premiações, salários e indenizações em caso de invalidez ou morte. O número de vaqueiros profissionais ainda é pequeno, são cerca de 400 no Brasil, segundo o site oficial da Associação Brasileira dos Vaqueiros.

Esporte atrai mulheres

A vaquejada é marcada por um ar de masculinidade e pela idéia de que é preciso um esforço enorme para a derrubada do gado. O não conhecedor das técnicas jamais acharia viável, neste caso, a participação de mulheres no esporte. E é exatamente contrariando essa lógica e buscando cada vez mais aprimorar as estratégias de derrubada que a vaquejada conta com um número crescente de mulheres. A maneira com que elas se comportam nas competições parece proposital, é como se quisessem dizer que não perderam sua feminilidade, que não deixaram de ser mulheres quando decidiram ser vaqueiras.

A aluna do curso de Enfermagem da Unifor, Natianne Andrade, é uma das que pratica o esporte. “Comecei a correr na inauguração de uma pista em minha cidade, Morada Nova. Me convidaram para fazer uma homenagem a meu avô, já que a pista teria o nome dele. A inauguração foi em 2003, desde lá nunca parei”, afirma. Mesmo sendo uma atividade paralela, e ter um caráter de diversão, Natianne deixa claro sua paixão e a seriedade com que vê a regularização e unificação das regras para que cada vez mais a vaquejada se consolide como esporte.

Cavaleiros alados

A paixão pela vaquejada organizou-se principalmente em torno da visão coletiva de que ela faz parte da tradição e cultura do povo nordestino, que alia raça e coragem às suas atitudes. Os praticantes, por se encontrarem com certa freqüência, cultivam a sensibilidade de respeitar seus adversários e a amizade entre si. A comunidade de vaqueiros no Brasil se respeita e trata seus concorrentes como heróis. Os Cavaleiros Alados, descritos na música do ícone das toadas, Alcymar Monteiro, é reconhecido em sua maneira mais rústica trajando gibão, montado em seu cavalo, ou com todo o equipamento, exigido pelas pistas de corrida.

A Missa do Vaqueiro, na cidade de Serrita, no Pernambuco é exemplo desse orgulho. Depois de terminada a parte religiosa, onde até o padre celebra a missa encourado, as centenas de vaqueiros montam seus animais e escutam a presentação do Coral de Aboiadores de Serrita entoar a Ave Maria. O espetáculo emociona multidões. Nas pistas não é diferente. O ranking dos cinco melhores vaqueiros faz destes homens seres dignos de grande admiração no cenário da vaquejada. Neste momento, os cinco melhores vaqueiros profissionais do mundo são Neco Menezes, Adjailson Paiva, Celso Vitório, Romário Rocha e Renato de Tetê, segundo atualização recente do blog Portal Vaquejada.

Lendas são criadas em volta dos vaqueiros, como é o caso de Tetê Monteiro, que após uma saga brilhante no esporte morreu vítima de um enfarte fulimante, em uma competição, em fevereiro deste ano. Tetê conseguiu coisas que ainda hoje deixam os amantes da vaquejada boquiabertos, coisas que jamais foram imitadadas, que são marcas suas deixadas no esporte.