sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Misticismo do Candomblé

O Candomblé é uma religião que tem por base a alma da natureza. Foi desenvolvida no Brasil quando, entre 1549 e 1888, os escravos foram trazidos da África. Esses escravos tinham conhecimentos dos sacerdotes africanos e cultuavam seus orixás (também chamados de Inquices ou Voduns).

Praticada pelo chamado povo do santo, é uma das religiões afro-brasileiras mais populares, tendo mais de 3 milhões praticantes só no Brasil. Em Fortaleza, os espaços destinados ao culto da religião são vários. Pai Sérgio de Ogum, que é dono de um terreiro, abriu suas portas e contou sua história.

“O Candomblé é o meu conceito de vida e um encontro com a minha ancestralidade. Sou de uma família evangélica e católica, para ingressar não mudei de religião, apenas resolvi buscar novos ensinamentos que levam a um único Deus supremo.

Eu tinha um amigo, do grupo de teatro, que sua família fazia parte, daí ele me chamou para conhecer e me deslumbrei ao ver um orixá pela primeira vez. Se, por exemplo, o cidadão vai ao culto evangélico e as palavras tocam seu coração é porque naquele lugar ele se sente à vontade em orar para Deus. Depois vai outra vez, até que quando menos espera já está envolvido e iniciado a ser um evangélico. Da mesma forma é o candomblé, você não vai chegar e já se tornar um ‘filho de santo’, há uma visita, depois outra e outra... Quando menos esperar, já está participando dos atos. Mas isso só acontece quando há uma identificação com a religião. Depende de cada pessoa. Decidi que era isso o que eu queria para minha vida e sou muito feliz com o caminho que escolhi. Religião não é algo que se indica, mas sim, algo que sente em seu coração.

Você convive com a religião e, dentro de si, saberá o momento certo para participar dos atos, pois a partir do momento em que está participando das festas da casa, já pode se considerar um iniciante.

Em paralelo às minhas coisas, ao meu trabalho, estou sempre em harmonia com o lado espiritual, seja nas oferendas ou nos cultos. E para tudo se há um ritual. Os ‘ebós’ são para retirar toda energia negativa do corpo, há o de iniciação, conhecido como oferta e bori.

A religião, anteriormente, era apenas uma maneira de estar mais próximo com a sua fé. Quando veio para o Brasil, o mais importante era a libertação da escravidão. O número de pessoas que cultuavam os ‘santos’ eram bem reduzidos e havia a necessidade de não deixar o ritual morrer. Atualmente, o candomblé tornou-se um comércio. Quando abrimos os jornais e passamos pelas ruas, há inúmeros anúncios que comprovam a banalização. Ninguém pensa no próximo e o orixá não está à venda, mas sim é um sentimento que nasce dentro do coração de cada um. É um encontro.

Muitas pessoas perguntam, às vezes até de forma espantada, se acontecem sacrifícios. Como em toda religião, há sacrifícios sim! Há o sacrifício da oração e do ofertório. O que nos diferencia é que nós utilizamos alguns animais para o sacrifício. É oferecendo o sangue do bicho que dá força a ele que também nos fortalece como seres humanos na fé. O cristão sacrifica um horário da sua vida para ir à missa, nós sacrificamos um horário para louvar ao nosso orixá. No entanto, tudo acaba se tornando um sacrifício.

No candomblé há ensinamentos e preceitos É uma religião antiga que não se repassa pela escrita, mas sim, por ensinamentos e oralidade. Para se ter ideia, Cleópatra também era adepta ao candomblé. Existem outras personalidades, umas até atuais, como Gal Costa, Maria Betânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alcione, Naomi Campbell, até mesmo Jorge Amado, Getúlio Vargas, João Figueiredo.

Minha religião é minha vida. Acredito que não fui eu que escolhi a religião, mas sim, ela que me escolheu. Como qualquer outra, é preciso participar, ver, aderir o princípio e, principalmente, aceitar a sua fé. Afinal, todos levam a um único Deus.

Enfim, você pode encontrar vários rituais do candomblé, no entanto, há coisas que não são ditas nem escritas, mas sim, vivenciadas.”






A mistificação que envolve cada uma das religiões, crenças e doutrinas é algo que, de um modo ou outro, sempre desperta a curiosidade alheia. Na maioria das vezes, essa curiosidade vem aliada ao preconceito, mas isso é fruto da falta de informação.


No barracão da Casa de Candomblé Ilegibá Axé Possun Aziri (casa de orações, força e raiz de criação), acontecem as reuniões ministradas pelo Pai Shell. O ritual de homenagem a Xangô é um dos mais esperados pelos presentes.

A abiã, Bárbara Guerra, narra a experiência de estar lá.

“Ao entrar no terreiro ou roça da Casa do Pai Shell fui como uma simples abiã, que significa está ali apenas para conhecer de perto a religião. A limpeza e organização do local não é uma simples questão de higiene, estão relacionados à limpeza espiritual. O local como um todo cheirava a ervas e dava a sensação aconchego. Para contrastar com as grandes catedrais, a casa em que assisti a festa de Xangô (deus da justiça) é uma morada muito simples. Não dava pra imaginar que nos fundos daquela casa poderíamos sentir uma energia tão forte.

Era possível sentir a presença do Pai Shell mesmo ele não estando no ambiente. Quando da sua chegada, vi que ele era muito diferente do que imaginava, mas em um aspecto ele não decepcionou: a confiança das suas palavras. Ele explica que tudo na religião do candomblé veio do Keto (religião africana) histórias e tradições trazidas pelas rainhas africanas feitas escravas no Brasil. Tudo havia sido transmitido pela oralidade de pai para filho, de geração para geração. A religiosidade africana resiste pela força dos orixás, espíritos da natureza que são o elo entre homens na terra e o grande Olorun, Deus”.


A Festa de Xangô

“Tá na hora de começar nossa batucada, tá tudo atrasado”, diz Pai Shell para chamar a atenção dos presentes e dar início à festa. Já passa das 21h e estou no barracão da Casa de Candomblé Ilegibá Axé Possun Aziri (casa de orações, força e raiz de criação).

É dado início ao eletrizante som dos atabaques. O corpo se arrepia, fica inquieto, é tomado por uma vontade de dançar e acompanhar as músicas cantadas na língua africana iorubá.

Os rodantes ficam dançando no centro do barracão e é chegado o momento em que os orixás baixam em seus corpos. É difícil acreditar, mas o corpo de quem recebe o santo muda de fisionomia. Como Xangô é um orixá homem, o rosto delicado e sorridente de Mãe Lu se transfigura, adquire uma fisionomia masculina e um semblante fechado. Momentos depois todos recebem seus orixás e é possível notar mudança na cor dos olhos e na voz de cada um deles.

Olhando aqueles que vão assistir a festa é possível ver gente de diversas classes sociais, professores universitários, dependentes químicos recuperados etc. Cheguei à conclusão que o candomblé é um ritual de dança e aceitação, não importa classe, cor, orientação sexual, nem mesmo o credo, pois, segundo Pai Shell, ‘as pessoas precisam entender que não existe religião certa, o importante é ter Deus no coração’.”




Por JP Correia e Bárbara Guerra

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